Amante sombrio - J R Ward

Domingo é dia de?! Repost! Publicadas pela primeira vez em fevereiro de 2016, eis as impressões da minha primeira leitura de "Amante sombrio", o livro 1 da série "Irmandade da Adaga Negra".

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Em um dia qualquer no shopping, entrei em uma livraria qualquer disposta a sentir cheiro de traças livros quaisquer. Saí de lá com um triplo clássico "Frankenstein - Médico e o Monstro - Drácula" e uma "novidade", "Amante Sombrio" de J. R. Ward. A indicação da vendedora foi como uma ameaça: "mas você vai ter que ler os outros 11 da série da Adaga". "Vamos ver", disse eu, modestamente crítica.
Vi a capa e pensei logo nas minúcias repetitivas do casal Anastasia-Christian. Quando eu perguntei sobre o que era ela resumiu como "entre Drácula e 50 Tons de Cinza". Foi precisa.
Bom, em um ponto ela se enganou. São mais 14 livros, não 11.
Jessica Rowleu Pell Bird (J.R. Ward ou Jessica Bird) é uma americana de 40 e alguns anos que dedica-se a escrever romances, escritos desde sempre mas publicados somente desde o início do século. Assim como eu, é advogada. Já ganhou alguns prêmios importantes de literatura, mas faz mais sucesso no Brasil com a série que me propus a ler - "Irmandade da Adaga Negra". Normalmente protagonizadas por "machos-alfa", as estórias dela são linkadas umas com as outras, e isso foi o que me chamou a atenção no livro em análise.
Começando pela análise da capa, devo logo dizer que não é um livro picante. E também não é um livro de terror, como a menção a "Drácula" pode sugerir.
Vivendo em harmonia com os humanos, vampiros e seus caçadores estão em guerra, mas uma guerra alheia aos mundanos. Viris, másculos, imortais, imutáveis e anti-herois, os personagens principais são parte do grupo de guerreiros designados para defender a raça, integrantes da "Irmandade da Adaga Negra". Logo no início do livro, a autora se preocupou em esclarecer quem é quem na estória, bem como das principais palavras usadas - Leelan, Hellren, Shellan e outras.
Os vampiros da série não são criados pela mordida e ingestão de sangue, como normalmente ocorre. Vampirismo é apenas característica hereditária e a transição do "modo" humano para vampiro ocorre com a maturidade. O que é meio óbvio, considerando que eles são imortais por natureza e permanecem com as mesmas características até serem assassinados. Então, não poderiam envelhecer.
Diferente das outras estórias, o sangue humano não é o principal alimento, mas aquele extraído de outro vampiro. A alimentação é um processo íntimo e carnal, muitas vezes sensual e sexual. O grande lance da tal transição humano-vampiro é que se trata de um processo doloroso e que prescinde de um vampiro maduro para ser o primeiro "alimento". Esse vampiro é escolhido a dedo, normalmente pelos pais do novo representante da espécie.
Seus inimigos são os "Redutores", humanos escolhidos a dedo para perderem a alma e virarem impiedosos caçadores, governados pelo Ômega. Com o peculiar cheiro de talco de bebê, não comem, não bebem e são impotentes.
Nesse primeiro livro da série, o foco está em Wrath, o último membro da família real vampírica - a Primeira Família - que se recusa a assumir o trono, preferindo manter-se na luta de campo com os irmãos.
Com a morte de um dos membros da Irmandade, Darius, logo após ter pedido a ele para que fosse o primeiro vampiro na transformação de sua filha, Beth, Wrath se sente compelido a atender ao último pedido do amigo. Seu sangue, por guardar características especiais da extinta Primeira Família, seria forte o bastante para - talvez - sustentar a transição da moça. Ocorre que Beth não conhece o pai ou mesmo o vampirismo, já que é meio humana, fruto de um romance entre o guerreiro e uma mundana.
Durante toda a estória, as características dos outros guerreiros da Irmandade vão sendo mostradas, formando os personagens dos próximos livros de forma muito interessante. Além dos curiosos nomes escolhidos (Tohrment, Vishous, Rhage, Phury, Zsadist), cada um tem suas características e problemas insolúveis, que os tornam, ao mesmo tempo, exemplos de força e fragilidade.
Outro ponto interessante é que a guerra entre Redutores e Vampiros é bem narrada ao longo da obra, por idas e vindas entre as rotinas de ambos e o cume nos encontros entre eles. Sem ficar confuso, é possível entender o paralelo das vidas de todos - tanto vilões como anti-herois.
Wrath, que há anos se alimentava da fêmea Marissa, não contava que surgisse, entre ele e Beth, um sentimento indissolúvel de união. Ele quis, desejou profundamente e se apaixonou por ela, vivendo, ao longo do livro, um sério conflito com relação à possibilidade de unir-se a uma meio-humana. A despeito disso, desfez o laço com a frágil Marissa, que sentiu-se desonrada perante a nobreza.
A intensidade dos sentimentos e desejos entre Wrath e Beth é bem demarcada com a descrição do sofrimento e da saciedade na entrega. Sem vulgaridade e com minúcias de envolvimento, as cenas de sexo não são o foco do livro, mas a cereja do bolo. Sem as repetições de "50 Tons", a autora desta série procurou relatar a força do amor-paixão em cada momento de entrega entre protagonistas. Mas o livro não é romântico.
O plano dos Redutores não deixa de ser sempre bem detalhado, como se, à espreita, sempre tivesse um deles pronto para acabar com os vampiros. A luta entre irmãos-guerreiros e seus caçadores está por todo o livro, como um toque de aventura deixando um quê de medo e ansiedade. Os irmãos, fortes, treinados e problemáticos, entretanto, ganham mais uma batalha.
A despeito dos riscos com o envolvimento em um mundo tão secreto, Beth não deixa sua vida de lado, nem mesmo seu amigo policial Butch, que vive um amor platônico por ela. Ao longo da obra, todavia, ele descobre o mistério do enorme homem que ronda a moça e torna-se parte do grupo, mesmo sendo um humano. Nesse momento, ele percebe a fragilidade de seu sentimento por Beth, ao descobrir-se apaixonado por Marissa, a ex-alimentadora de Wrath, abrindo as portas para um dos outros livros da série.
O líder da Irmandade, vinculado de todas as formas a Beth, se indispõe com a Virgem Escriba (figura etérea, criadora dos vampiros, conselheira e dona de uma gama de poderes) para poder assumir o romance com a meio-humana. A condição da Virgem, todavia, é que Wrath cumpra uma tarefa hercúlea: tome seu posto como rei dos vampiros e evite a extinção da espécie. Se ele está disposto a abrir mão da condição de guerreiro e encarar os fantasmas do passado para ficar com Beth é o grande it do livro.
Sem encerrar a luta contra os Redutores, o livro abraça a questão do poderoso másculo e atormentado macho pela fêmea redentora, em um retrato típico das obras atuais neste mesmo estilo.
Não é um trabalho complexo nem tampouco faz uso de palavras rebuscadas e palavreado culto. Guardando características narrativas que prendem o leitor, é simples, rápido e tranquilo. Trata-se de uma estória para se desligar dos problemas humanos e focalizar no sentimento dúbio com relação aos Irmãos.
A despeito de suas mais de 400 páginas, entra na categoria de "livros rápidos".